VOLTAIRE E SUA INFLUÊNCIA NO ILUMINISMO E NA MAÇONARIA
- cac4459
- 15 de fev. de 2022
- 5 min de leitura
Confira essa entrevista com o Dr. João Caputo, Doutor em Filosofia pela UFPR e obreiro da ARLS Apóstolo da Caridade (Curitiba, GOB-PR).

1 – Quem foi Voltaire?
Dr. Caputo: Voltaire foi o pseudônimo de François Marie Aroute, nascido em 1694, em Paris. Provavelmente um acrônimo de “Arouet, le jeune” (Arouet, o jovem), o nome Voltaire ficou conhecido na história do pensamento ocidental como sendo de um dos maiores intelectuais do século XVIII.
Não possuindo títulos de nobreza, Voltaire passou grande parte de sua vida frequentando círculos da alta aristocracia almejando, um dia, possuir um destes títulos. Não conseguiu. Por outro lado, operando através de uma brecha no sistema de loterias da época e da especulação financeira, Voltaire tornou-se um dos homens mais ricos da Europa no seu tempo.
Vida financeira à parte, François Marie foi um escritor extremamente fértil, autor de incontáveis obras. Atuou no teatro, poesia, conto, novela, tratados, textos de filosofia, teve uma produção de cartas de tirar o fôlego além de se posicionar publicamente em diversas querelas políticas, filosóficas e até legislativas de seus dias. Apesar de não ter tido êxito em se tornar nobre, seu espírito cativante e sua ligeireza de pensamento lhe permitiram ser uma figura marcada e famosa nos meios aristocráticos de seu tempo.
2 – Qual foi sua contribuição para a filosofia?
Dr. Caputo: Há comentadores, como é o caso de Le Pape, que afirmam que Voltaire é o próprio ideal iluminista encarnado, de modo que se torna difícil traçar o que ele significou para o iluminismo e para a história da filosofia como um todo. Mesmo assim, se formos indicar elementos importantes poderíamos nos focar naquele que talvez tenha sido um dos grandes símbolos da trajetória filosófica do autor: a investigação sobre a tolerância. Seus textos, principalmente os contos, mas também os tratados, como é o caso do Tratado sobre a tolerância, escancaram o fanatismo do século em suas diversas facetas. Elemento central dos casos de intolerância e fanatismo, a igreja católica era desenhada como centro nevrálgico de grande parte dos crimes e abusos cometidos em nome de Deus. Écraser l’infâme, lema que significa esmaguemos a infame, era escrito após sua assinatura em uma série de obras. A infame é a própria igreja católica.
Resguardando maus entendidos, Voltaire não era contra a religião, muito menos ateu! O que ele ataca de forma irônica e impiedosa eram o fanatismo e os abusos cometidos em nome dos dogmas que a igreja impunha. De outro lado, suas investigações sobre Deus formam um outro grupo de grande interesse na sua produção. Se nos voltarmos, por exemplo, para o Tratado de Metafísica, veremos ali uma série de provas a favor e contra a existência de Deus serem contrapostas e comparadas, lado a lado. A conclusão? A crença em Deus se mostra como uma posição mais fácil de ser sustentada e mais verossímil. Mas notem: crer em Deus não nos leva a crer nos dogmas das religiões! O que Voltaire nos apresenta é uma posição Teísta, ou seja, uma postura filosófica que aceita Deus, alguns atributos Dele (como eternidade, poder, inteligência) e para aí. Não se segue disso o Deus vingador ou punidor das religiões judaico cristãs.
Fora estes temas, que para nós são os mais interessantes, o filósofo se debruça sobre questões históricas (inclusive, o termo filosofia da história foi cunhado por ele), querelas sobre teatro e poesia, temais morais e políticos também, de forma que, sem dúvida, Voltaire é um poço sem fundo para aqueles que querem se aprofundar no que de melhor a filosofia pode nos oferecer.
3 – Como o terremoto de Lisboa contribuiu para um novo direcionamento do pensamento de Voltaire
Dr. Caputo: Ocorrido em 1 de novembro de 1755, por mais curioso que pareça, este fenômeno geológico foi tão intenso que abalou até mesmo as bases do pensamento filosófico iluminista.
Tendo como resultados a destruição quase total da cidade de Lisboa e a morte milhares de pessoas, esse evento geológico colocou em xeque uma discussão que estava muito em voga no cenário filosófico da época: o problema do mal. Em linhas gerais, este problema gira em torno de conciliar uma imagem de um Deus bom, com o mal no mundo. Se Deus é de fato bom e justo, como podemos aceitar a morte do inocente, a doença, a injustiça? Essa questão ficou escancarada com as mortes que foram resultado do terremoto de Lisboa, em especial pois era um dia santo e as igrejas, quando desabaram, estavam lotadas. Como poderia um bom Deus permitir tal coisa?
Voltaire tem diferentes abordagens sobre este assunto no decorrer da sua vida e da sua produção intelectual. Nos textos mais jovens, a postura do filósofo orbita o que a tradição costumou chamar de otimismo filosófico. Diferente do que entendemos na linguagem comum pelo termo otimismo, esta posição filosófica não significa uma crença em que o futuro será melhor. Ao contrário, o otimismo filosófico propõe que o mundo, sendo criação de um Deus bom e perfeito, é da melhor forma que ele poderia ser. Não poderíamos ter um mundo melhor do que o que efetivamente temos. O problema do mal estaria, então, na nossa limitação em entender a criação de Deus, de modo que o parece um mal aos nossos olhos limitados é, na verdade, um bem se pudéssemos considerar a obra divina como um todo.
Como dissemos, essa posição está presente em alguns textos de juventude de Voltaire. Com o advento do terremoto, o filósofo compõe um poema filosófico chamado Poema sobre o desastre de Lisboa, ou exame do axioma ‘tudo está bem’. Neste poema, o que vemos é uma descrição crua e sanguinolenta do cenário pós terremoto, onde Voltaire nos descreve mães ensanguentadas com suas crianças mortas no colo, apenas para citar um exemplo. Seguido a este cenário, vemos uma investigação sobre a noção de otimismo. O que Voltaire tenta nos mostrar com isso é, em poucas palavras, que a filosofia e a metafísica são incapazes de resolver o cerne, o núcleo do problema do mal, que é o sofrimento do homem. Neste sentido, temos uma inovação na abordagem do problema do mal, pois o que Voltaire faz é deslocar a questão do ponto de vista metafísico para o ponto de vista pessoal e moral, ou seja, o problema não é mais entender a ordem e o modus operandi de Deus, mas sim aplacar o sofrimento do homem que é vítima do mal. O resultado é que, como dissemos, a filosofia não dá conta disso. A solução estaria, portanto, em uma religião pura e sem dogmas que daria um sentimento de esperança apoiado em uma imagem de um Deus bom.
4 – O que podemos resgatar na filosofia de Voltaire para a maçonaria contemporânea.
Dr. Caputo: Voltaire foi iniciado maçom em 1778, aos 83 anos. Sua iniciação foi um símbolo inserido em um contexto turbulento pré revolução. Acreditamos que o motivo que levou a loja Les Neuf Soeurs a iniciar Voltaire é o mesmo que nos leva a crer que seu pensamento ainda é vivo e influencia os ideais maçônicos. A figura deste pensador carrega consigo os ideais que são os mais centrais para o pensamento maçônico. Falamos aqui da tolerância, da convivência entre os povos de diferente culturas e religiões, a exaltação do pensamento livre, ilustrado e iluminado pela razão, o esmagamento do fanatismo e o reconhecimento do homem como portador de uma chama efetivamente capaz de mudar a sociedade em que vivemos. Como podemos ver, estes valores todos são atemporais e devem se aplicar em especial ao homem maçom.
Entrevistado Irmão João Caputo é MM, Bacharel, Mestre e Doutor em Filosofia pela UFPR e membro da ARLS Apóstolo da Caridade (GOB-PR).
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